terça-feira, 13 de dezembro de 2011

falando dele, de bico comigo.


peço licença mas já vou dizendo,
é, é de você que o pensamento anda se escondendo. besta e em vão. porque escapa pela boca, pela pele, pelos gestos, pelos olhos que, ao invés de repletos da lua incrível de ontem a noite, desenham você nos cantos, nos vultos, no vazio, pedintes.

 perplexa pela inconsistência lógica dessa escolha, deixo de dar pito no peito e o deixo dizer... que é você, não sei porquê. mas me falta o ar, paralisa, gela e queima. e porque confessar talvez o faça desvanecer... esse sentimento que desejo pegar de jeito e enforcar e esmagar e dar de ombros e escarnecer.   

por hora, vencida.
é, é prá você.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

agora todo dia o tempo abria
fazia azul no céu.

de tanto ver o sol
seu cabelo crescia
sua saia rodava
amarela.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

seu rastro era como sombra,
silêncio sujo de vergonha.

paralisia não.
círculos.

à frente a claridade e o espelho.
para limpar as pegadas é preciso antes lavar os pés.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

girando na cadeira sem querer brincar.

sabe hoje?
olha lá fora e veja a claridade do dia, ele disse.

ela viu. e escolheu sofrer de balões perdidos ao vento no estômago.
mesmo assim.
queria arder, a tonta.



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

terça-feira, 11 de outubro de 2011

estava pesado.
larguei tudo como estava, peguei revista, gritei coralina! saí.

a energia tava pouca. o sol quente. meia hora sentei.
chorei lendo. doeu a dorzinha da realidade, tão diversa da beleza singeleza coragem doçura força amor que havia ali naquelas histórias... doeu a dor de quem quer outra história.
a dor do braço pesado, da boca fechada, do coração escondido.

quase entregue à sensação daquele fracasso percebo coralina sentando-se ao meu lado. olho no olho, ela me disse, apenas: olha!

as folhas do ipê roxo caíam devagar acima de nós. um som de água caindo, a rua vazia, as cores. eu sentada ao lado da amiga de tanto tempo, numa manhã de terça explodindo de beleza.

coralina é tão sábia e amorosa. coralina me ensina a ser a mãe que eu quero ser.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

não tem você, vai pão doce.

"(...) isso tudo só foi começar muito depois

depois de um tempo em que eu era

tão completamente ingênua

tão sem força de vontade

que as doces delicadezas

de qualquer guloseima

lânguidas me seduziam

e minha língua sofria

de incontrolável fascínio

por cremes dourados

e frutas cristalizadas

feito rubis incrustadas

nas crostas crocantes dos pães..."


(Adriana Calcanhoto)

domingo, 8 de maio de 2011

"bar ruim é lindo, bicho."

"Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda de mais de cento e cinquenta anos (deve ter alguma coisa errada com uma vanguarda de mais de cento e cinquenta anos, mas tudo bem). No bar uim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por Betão - é o graçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história. Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos' do graçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
- Ô Betão, traz mais uma prá gente - eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil. Nós, meio intelectuais meio de esquerda adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectiuais meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
Nós, meio intelectuais meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda descobre um nove bar ruim que nenhum outro meio intelectualmeio de esquerda frequenta, não nos contemos: ligamos prá turma inteira de meio intelectuais meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim. O problema é que aos pouco o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo frequentado por vários meio intelectuais meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto frequentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais meio de esquerda adoramos dizer que frequentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de ela tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinquenta por cento o preço de tudo (eles sacam que nós, meio intelectuais meio de esquerda somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raíz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão de todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher os nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais meio de esquerda, que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais meio de esquerda achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?)
- Ô Betão, vê uma cachaça aqui prá mim. De Salinas quais que tem?"

Antonio Prata.
   
   

sexta-feira, 6 de maio de 2011

antonio prata tem aparecido prá mim. vou colocá-lo aqui, hoje. junto com o botero.

por hora, usemos de consolo:


"Há em vosso guloso descontrole uma nota de revolta contra um mundo que encolhe

A segunda metade do século 20 assistiu à fragmentação das lutas e ao alargamento dos direitos: os negros se organizaram, as mulheres se organizaram, os judeus se organizaram, os gays se organizaram -até os ruivos, ouvi dizer, têm associações contra o preconceito cromocapilar que, parece, sofrem por aí.

Ótimo. Hoje, o sujeito pensa duas vezes antes de pintar suásticas ou enfiar um cone branco na cabeça, vestir os lençóis da cama e sair queimando cruzes pelas ruas. O problema é que sobrou uma única minoria, desarticulada e sem líderes, tomando na cabeça todos os cascudos que os últimos séculos dividiram entre os grupos supracitados: os gordos.

Na supremacia magra em que vivemos, já não se medem mais crânios para atestar a superioridade de ninguém, medem-se abdomens. O gordo, hoje, anda com os ombros curvados e os olhos baixos, como o judeu na Alemanha, em 1933, os negros, durante o Apartheid, uma mulher ou um gay num ônibus, tomado pela Gaviões da Fiel. Ainda não há campos de extermínio para obesos nem leis impedindo seu ir e vir, mas, pelas esquinas e mesas de bar, pelas praias e parques, podem-se ouvir os cochichos, cada vez menos discretos: "Deus do céu, será que ele não tem vergonha na cara?!", "Devia ser proibido uma mulher dessas usar biquíni!", "Se fosse um filho meu, internava num SPA!".

A ciência decretou, a moda difundiu, nossos superegos aceitaram: gordo é errado. Gordo é um descontrolado - e o autocontrole, hoje em dia, é tudo. Prega o espírito de nossa época que cada um de nós é uma empresinha a ser racionalmente administrada, e, no balancete diário de nossos corpos, o acúmulo de calorias é como um deficit econômico.
O gordo é um latifúndio improdutivo, máquina parada, ciclo vicioso. Ok: o brasileiro anda comendo mal. De fato, cada degrau que ascendemos na escala social é um buraquinho que alargamos no cinto. É bom que o governo faça campanhas por hábitos mais saudáveis, que as escolas ensinem educação alimentar, que meu querido Drauzio Varella nos lembre que nem só de papilas gustativas vive o homem; que, de coxinha em coxinha, nossas artérias vão acabar entupidas como a avenida Rebouças, às 6h da tarde.

O preconceito, contudo, essa campanha raivosa que trata a todos aqueles que não se encaixam no diet-zeitgeist como se fossem poltergeists, não nasce da preocupação com o outro. É o ressentimento que faz com que as bocas que se fecham tão estoicamente à comida abram-se vorazmente para maldizer os gordos.

Pois o gordo, meus caros, é o novo libertino. Quando o sexo era proibido, a prostituta era "feita pra apanhar", era "boa de cuspir". Hoje, com o sexo como totem e o torresmo como tabu, os que trocaram a penitência diária pelas abdominais e a hóstia pela granola, buscando a transcendência pela contenção, ficam indignados com a banha alheia. Por que é que eu preciso sofrer tantas privações, pensam eles, enquanto outros podem viajar na maionese?

Gordos do mundo, uni-vos! Ostentais as panças com orgulho. Há em vosso guloso descontrole uma nota de revolta contra um mundo que encolhe; um mundo que, cada vez mais, quer menos - em todos os sentidos."

Antonio Prata, na Folha de S. Paulo (compartilhado por Zeca).

segunda-feira, 25 de abril de 2011

out demodê.

a tristeza é demodê nénão?
ó, deixa eu contar: estou feliz, feliz, feliz, feliz, tão feliz...

e feliz me sinto corajosa, gata, forte, boa, leve, poderosa!

hoje vou dormir fashion, cool, (até o cult anda felizinho, anda não?), na crista da onda, rapá. rá!
ando triste, sem andar prá lado nenhum. às vezes só olho dois segundos pela janela, torço o nariz prá segurar o choro, emudeço, tranco, amarro, amordaço, abafo tudo aqui. ali, lá, não sei onde, onde ela está?

"dizem que a vida é assim, cinco sentidos em mim, dentro de um corpo fechado, no vácuo de um quarto, no espaço sem fim. "
arnaldo antunes.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

antonio cícero, por paula miletta.

"guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. em cofre não se guarda coisa alguma. em cofre se perde a coisa de vista. guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro do que um pássaro sem vôos. por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema: para guardá-lo."

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

vó alzira.


as lembranças da vó alzira?
a risada que chacoalhava a barriga, suas mãos, o cheirinho do seu perfume e a música do sabiá.
nunca cheguei nem perto de lhe dizer, vó.
te amo.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

as unhas estão compridas demais e vivem lascando, enroscando, arranhando.
a pele demora a apagar as marcas da cama. demora o dia todo.
os olhos atrasados, a voz rouca e baixa. as costas, recostadas horas a fio, a janela fechada.
o cabelo embaraçado, murcho, esquecido. tato morto.   

sábado, 12 de fevereiro de 2011

agradeço.

pelas pintas, pelas rugas, marcas, cicatrizes. por todos os capotes, hematomas, agradeço. o amanhecer de todo dia, os pés de fruta, os cheiros de terra e de mato e de água caindo do céu. pela água que eu bebo, pela água que escorre pelo corpo, pela água que molha o chão. pelas palavras. pela coralina. pela dor no peito, pela escuridão, pelo desamparo, pelo desapego.

agradeço por cada burrice, cada erro, cada topada, cada tropeço. por todas as árvores e por cada uma. pelas alergias, ânsias, medos. pelas janelas e pelas pontes, pela cor amarela, por meu anjo da guarda, por sentir emoção. por ter amamentado, por ser mãe, mulher, gente. pelo suor, pela canseira, e ah! agradeço por toda beleza, tanta, tanta que dói.

agradeço pelo novo e pelo velho, pelas sementes, pelas gentes de todo dia, por escrever com caneta. pelos perfumes, por meus seios e por meus olhos. por tudo o que está por vir. agradeço pela música! pelos filmes que vejo, vi, verei. pelo chocolate e pelo gelo. pelas amigas, amigos (sorriso), pelos sobrinhos, pelas crianças, pelas crianças, pelas crianças desse mundo, meu deus. agradeço pelo tunico. 

agradeço saber e não saber. cada encontro, o céu, imenso. o mar, imenso. o sol. os óbvios e essenciais. a lua daquele jeito falta o ar de linda. céu cheio de estrela. cheiro de dama da noite, manacá cheio de flor. a comida, o medo de amar, o amor. os livros, a dança, o batuque. agradeço cada brincadeira, toda sujeira no campinho, no quintal, no parque. agradeço existir varandas e entardeceres. a voz do meu filho, o seu olhar que ri. sorvete, pão frito, maçã verde, limonada do meu pai, arte.

ah, como eu agradeço pelo silêncio, pelas manhãs e pelas amoras. por abraço, por arrepio, por desejo. por colo, sombra no sol, matar a sede com água, oração, yoga. pela igrejinha da jones, pelos esmaltes coloridos, pelas compulsões e repressões. pelos chinelos, pela preguiça, pelas redes de deitar. canudinhos, bolinhas de sabão, tinta, gelatina, deitar no chão.

texto sem fim.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

semente.

eu tenho muito o que plantar. eu tenho muito trabalho. eu tenho muita esperança. eu tenho o amor e tenho as mãos. eu tenho medo, mas eu vou.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

EU HOJE...

já tomei dois banhos, enrolei os cabelos, cantei mantras, caminhei e tornei a caminhar, inventei receita pro almoço, liguei o computador, dei banho na coralina, fiz promessa, desliguei o computador, senti euforia e desânimo, brinquei e joguei cartas com o tunico, acendi incensos, fiz yoga, alongamentos, relaxamentos, liguei o computador, arrumei as gavetas, mudei o quarto, tomei dois litros de água, lavei o tênis, desliguei o computador, li pro tunico, tomei chuva, tomei sorvete, recebi telefonema feliz, fiz um bolo, senti vontade de chorar, pintei as portas do armário com margaridas, pintei as unhas, emburrei, sondei os livros de autoajuda da minha mãe, me senti ridícula, ri, liguei o computador, escrevi e nada. nada me tira o menino do pensamento.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

tunico saiu do banho cantarolando beatles daquele jeito coisa mais linda do mundo, sabe? eu, observando com aquele sorriso bobo e cheia daquela felicidade repentina que só o susto do amor nos dá, pensei: hoje vou me achar bonita e passar perfume prá dormir.

sábado, 15 de janeiro de 2011

manoel, esse lindo.

Talvez eu tenha já postado essa poesia ou parte dela nesse blog - vaga lenbrança - mas hoje, ela me fez presente tão bonito, que preciso:

"Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal -
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas
como a roupa dos pescadores.
O que desejo é apenas uma casa.
Em verdade, Não é necessário que seja azul,
nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.
Sem nome, porém honrada, Senhor.
Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que
nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir
os ventos pelos caminhos, e ver o sol
Dourando os cabelos negros
e os olhos de minha amada.
Também a minha amada não dispenso, meu Senhor.
Em verdade ele é a parte mais importante deste poema.
Em verdade vos digo, e bastante constrangido,
Que sem ela a casa também eu não queria,
e voltava pra pensão.
Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos
E a dona é sempre uma senhora
do interior que tem uma filha alegre.
Eu adoro menina alegre,
e daí podeis muito bem deduzir
Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição.
Nas minhas solidões de amor e
nas minhas solidões do pecado
Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite,
E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis
Como amarga a vida de um
homem o carinho das prostitutas!
Vós sabeis como tudo amarga
naquelas vestes amassadas
Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas
Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti
Que eu continue sonhando com a minha casinha azul.
Permita que eu sonhe com
a minha amada também, porque:
de que me vale ter casa sem ter
mulher amada dentro?
Permiti que eu sonhe com uma que ame
andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça-o
como se vê nos cinemas...
O ideal seria uma que amasse fazer comparações
de nuvens com vestidos, e peixes com avião;
Que gostasse de passarinho pequeno,
gostasse de escorregar no corrimão da escada
E na sombra das tardes viesse pousar
Como a brisa nas varandas abertas...
O ideal seria uma menina boba:
que gostasse de ver folha cair de tarde...
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas ...
O ideal seria uma criança sem dono,
que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome -
senão que um sorriso triste
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto
das crianças que não têm rumo..."
Manoel de Barros